A Semente e o Sol
- Vanessa Bonafini
- 28 de mai.
- 3 min de leitura

Texto que recebi de uma cliente querida, após tratamento. Ela autorizou compartilhar com meu leitores, para que vocês possam se inpirar.
Elara movia-se pelo mundo como um cometa, deixando um rasto de energia vibrante por onde passava. Era uma mulher de riso fácil e paixão contagiante, diretora de arte numa agência movimentada, sempre a preocupada com prazos, projetos e uma vida social que transbordava. No meio deste turbilhão, a comida era frequentemente um pensamento secundário, um combustível rápido engolido entre reuniões ou em frente ao computador. Saladas pré embaladas, sanduíches apressadas, jantares aquecidos no microondas, o suficiente para manter a máquina a funcionar, mas raramente um momento de pausa ou prazer genuíno. No fundo, por baixo da fachada de sucesso e dinamismo, uma subtil sensação de vazio, uma desconexão silenciosa, começava a instalar-se, como uma nota desafinada numa melodia outrora perfeita.
Então, a tempestade chegou sem aviso. A palavra "câncer" ecoou no consultório médico, fria e implacável, estilhaçando a realidade de Elara. O cometa vibrante pareceu perder o seu brilho, a sua trajetória desviada por uma força invisível e aterradora. O chão desapareceu sob os seus pés, substituído por um abismo de medo e incerteza. O tratamento começou, um caminho árduo marcado pela quimioterapia. Com ele vieram os companheiros indesejados, a fadiga que pesava como chumbo, as náuseas que roubavam o prazer de comer, o apetite que minguava a cada dia. A comida, antes um detalhe insignificante, tornou-se um campo de batalha, uma fonte de ansiedade e repulsa.
Enfraquecida, não apenas no corpo mas também no espírito, Elara sentia-se à deriva numa escuridão densa. A medicina lutava contra a doença, mas quem lutaria pela sua alma cansada? Foi nessa busca por algo mais, por um farol naquela noite escura, que encontrou um pequeno centro de apoio, um refúgio tranquilo onde se falava não apenas de tratamentos, mas de nutrição consciente, de atenção plena, de espiritualidade como âncora. Uma terapeuta de olhar sereno, inspirada nos princípios holísticos, falou-lhe de como nutrir o corpo podia ser um ato de amor, e como encontrar a calma interior podia fortalecer a jornada. Elara ouviu, cética no início, mas com uma semente de esperança a brotar no seu coração desesperado.
Hesitante, começou a experimentar. Primeiro, a alimentação. Guiada pela terapeuta, trocou as refeições apressadas por momentos de cuidado. Começou a visitar o mercado local, escolhendo frutas e vegetais vibrantes, laranjas doces, espinafres de um verde profundo, beterrabas cor de terra.
Aprendeu a preparar refeições simples mas nutritivas, sopas reconfortantes, peixe grelhado com ervas aromáticas, saladas que eram um arco-íris no prato. O mais transformador, no entanto, não era apenas o quê comia, mas como comia. Sentava-se à mesa, longe do celular e da televisão. Respirava fundo antes da primeira garfada. Mastigava devagar, redescobrindo sabores e texturas que a sua vida apressada tinha esquecido. Saboreava cada pedaço, sentindo a comida a nutrir não só o corpo, mas também a alma. Percebia os sinais sutis de fome e saciedade, aprendendo a honrar o seu corpo. A comida, lentamente, deixou de ser uma inimiga e tornou-se uma aliada preciosa, um ritual diário de autocuidado.
Paralelamente, Elara abriu-se a pequenas práticas de atenção plena. Antes de cada refeição, fechava os olhos por um instante, num gesto silencioso de gratidão, pela terra que oferecia o alimento, pelas mãos que o prepararam, pelo seu corpo que lutava com tanta bravura. Quando a ansiedade apertava antes de uma sessão de quimioterapia, focava-se na sua respiração, sentindo o ar a entrar e a sair, uma âncora no presente. Começou a notar as pequenas alegrias do dia-a-dia: o calor do sol na pele durante uma curta caminhada, o som dos pássaros na árvore em frente à sua janela, o conforto de um chá quente nas mãos. Não procurava grandes revelações espirituais, apenas pequenos momentos de conexão consigo mesma e com o mundo ao seu redor. E nesses pequenos momentos, encontrava uma força inesperada, uma serenidade que florescia mesmo no meio da tempestade.
As mudanças não foram instantâneas, mas graduais e profundas. Elara começou a sentir mais energia, a tolerar melhor o tratamento. As náuseas não desapareeceram por completo, mas tornaram-se mais manejáveis. Mais importante ainda, a ansiedade que a consumia começou a dissipar-se, substiruída por uma paz interior que não conhecia antes. A apresentação pela vida, antes dada como garantida, itensificou-se. Cada nascer do sol, cada conversa com uma amigo, cada refeição consciente tornou-se um presente precioso. A espiritualidade não era uma fuga da realidade do câncerr, mas sim o sol que nutria a semente da sua resiliência interior, ajudando a crescer forte mesmo no solo mais árido. Elara percebeu que nutrir o corpo com alimentos que curam e nutrir a alma com atenção e gratidão eram duas faces da mesma moeda, a moeda do amor próprio, da esperança e da redescoberta da sua própria luz, mesmo quando as sombras pareciam mais densas.
Elara Ardelean.
Que historia mais linda, parabéns Elara e Vanessa pelo trabalho.
Que texto mais lindo, até fiquei emocionada com a sensibilidade da escrita.❤️